Morte e Vida Severina e Outros Poemas Para
Vozes, de João Cabral de Melo Neto, é a coleção de quatro poemas do autor
com temas parecidos: todos sugerem a morte e a vida no Nordeste. É um livro
dedicado a Rubem Braga e Fernando Sabino por terem a ideia
“deste repertório”.
Poemas de João Cabral de Melo Neto |
O que me chamou
a atenção para o autor João Cabral de Melo Neto foi a indicação de minha
professora do Ensino Médio. Decidi ler, depois de um tempo, Morte e Vida Severina. Pesquisei e
encontrei na internet o poema adaptado em HQ, clique aqui. Gostei tanto que fui
procurar na universidade o livro para ler novamente e encontrei este que traz
mais três poemas. O que eu posso dizer com certeza é: ainda bem que li.
O Rio, poema que dá início à obra, de
1953, relaciona a viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do
Recife. O Capibaribe percebe as alterações na paisagem natural e urbana
conforme corre seu curso, até desaguar no oceano. É um poema “diário de bordo”,
em que o personagem é o próprio rio, e expõe a miséria que encontra pelo
caminho, a miséria interior e exterior das pessoas. Não gostei muito deste
poema; na verdade, me pareceu um infinito “guia pelos rios do Nordeste”.
Para trás vai ficando
a triste povoação daquela usina
onde vivem os dentes
com que a fábrica mastiga.
Dentes frágeis, de carne,
que não duram mais de um dia;
dentes são que se comem
ao mastigar para a Companhia;
de gente que, cada ano
o tempo da safra é que vive,
que, na braça da vida,
tem marcado curto o limite.
Vi homens de bagaço
Enquanto por ali discorria;
Vi homens de bagaço
Que morte úmida embebia.
(NETO, João Cabral de Melo. O Rio, pag. 27-28)
Em Dois Parlamentos, de 1960, o sertão é
comparado a um cemitério auto-suficiente e posteriormente o cenário é o de decadência
dos engenhos que perderam espaço para as usinas, e os trabalhadores de engenho
aqui são chamados “cassacos”, que é o nome popular para o gambá no Pernambuco. É
uma visão realista e triste de tudo o que estava acontecendo no Pernambuco.
Pessoalmente, o poema me emocionou em alguns momentos, pela simplicidade da
escrita e as comparações.
— Todos esses mortos parece
que são irmãos, é o mesmo porte.
— Se não da mesma mãe,
irmãos da mesma morte.
— E mais ainda: que são irmãos gêmeos,
do molde igual do mesmo ovário.
— Concebidos durante
a mesma seca-parto.
— Todos filhos da morte-mãe,
ou mãe-morte, que é mais exato.
— De qualquer forma, todos,
gêmeos, e morti-natos.
(NETO, João Cabral de Melo. Dois Parlamentos, pag. 87)
Em Morte e Vida Severina, de 1955, João Cabral
de Melo Neto nos apresenta um conto de Natal pernambucano. Severino, como
tantos outros, é um retirante, à procura de melhor vida (um lugar que se possa
plantar e colher, um lugar onde não se morre de “velhice antes dos trinta”). Ao
longo do poema e de sua jornada, Severino encontra várias pessoas com as quais
dialoga. É um referencial histórico do Brasil, do homem sertanejo que retira. Delicioso
de se ler, um clássico nacional. Foi adaptado para o teatro, cinema e televisão.
E se somos Severinos
Iguais em tudo na vida,
Morremos de morte igual,
Mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
(NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina, pag. 46)
— Como a morte aqui é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem da morte ofício ou
bazar.
(NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina, pag. 57)
O Auto do Frade, de 1984, relata em
forma de poesia o momento histórico da morte do Frei Caneca. Joaquim da Silva
Rabelo, ou Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, ou simplesmente Frei Caneca, envolveu-se
na Revolução Pernambucana (1817) e na Confederação do Equador (1824) e foi
condenado à forca por rebelião contra as ordens de sua Majestade Imperial. É um
poema-denúncia da hipocrisia das pessoas envolvidas. Lembrou-me do livro O
Último Dia de Um Condenado,
de Vitor Hugo, por apresentar alguém que terá em breve sua morte “pela justiça”.
Um fato interessante é que três carrascos se recusaram a enforcar o Frei, por
sua religiosidade, bem descrito no poema.
A gente nas calçadas:
— A corda não serve de nada,
não o arrasta nem o detém.
— É para mostrar que esse homem
já foi homem, era uma vez.
— Essa corda é para mostrar
que ele já é menos que gente.
(NETO, João Cabral de Melo. O Auto do Frade, pag. 111-112)
Um oficial:
— Que ninguém se aproxime dele.
Ele é um réu condenado à morte.
Foi contra Sua Majestade,
contra a ordem tudo que é nobre.
Republicano, ele não quis
obedecer ordens da Corte.
Separatista, pretendeu
dar o Norte à gente do Norte.
Padre é para rezar
pela alma, mas não contra a fome.
(NETO, João Cabral de Melo. O Auto do Frade, pag. 113)
Escrito por MsBrown
Poemas interessantíssimos, que eu confesso não ter muito conhecimento até ter lido seu post. Parabéns pelo levantamento... me interessou muito o que foi mostrado, pois gosto muito do gênero quando é tratado com momentos históricos. *-*
ResponderExcluirUm abraço!
http://universoliterario.blogspot.com.br