Mas
o que ainda uma vez, sob minha palavra de honra,
afirmo é que só
digo a verdade. Não importa que me acreditem,
mas só digo a verdade
— mesmo quando ela é inverossímil.
A
minha confissão é um mero documento.
(SÁ-CARNEIRO,
Mário. A Confissão de Lúcio, pag. 17)
A Confissão de
Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro, é um relato, como o
personagem diz, inverossímil. Mas ele alega que é verdadeiro,
apesar das “estranhezas” que talvez os leitores achem.
Lançado em 1914, era
de se esperar esse cuidado do personagem Lúcio em dizer tais
palavras, até porque o que se encontra no livro não é algo que a
sociedade facilmente aceita. Não é propriamente a homossexualidade
que é tratada, mas uma hipótese que envolve o assunto. Uma hipótese
muito interessante e não usual, devo dizer.
A história se passa
em Paris e em Portugal. No início, Lúcio avisa que já cumpriu sua
pena de dez anos por ter matado Ricardo de Loureiro — mas ele não
o matou e nunca se justificou; no entanto, sente que agora é a hora
de deixar tudo claro e confessar sua inocência.
— O meu sofrimento
mora, ainda que sem razões, tem aumentado tanto, tanto, estes últimos dias, que eu hoje sinto a minha alma fisicamente. Ah! é
horrível! A minha alma não se angustia apenas, a minha alma
sangra. As dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores
físicas, em dores horríveis, que eu sinto materialmente — não
no meu corpo, mas no meu espírito. É muito difícil, concordo,
fazer compreender isto a alguém. Entretanto, acredite-me; juro-lhe
que é assim.
(SÁ-CARNEIRO, Mário.
A Confissão de Lúcio, pag. 45)
A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro |
Lúcio é um escritor
que está sempre rodeado por outros artistas. O que gostei do
personagem é que ele entende que as narrações são suas, portanto,
sempre que pode, deixa os outros personagens se estenderem um pouco
nos diálogos, possibilitando ao leitor conhecer além das ideias do
principal — e entender a trama.
Lúcio conhece o poeta
Ricardo de Loureiro, seu grande amigo, com suas ideias diferentes,
sua sensibilidade. Ricardo “casa-se” com Marta e Lúcio, numa
tentativa de descobrir os mistérios em torno desta mulher, torna-se
amante dela. Suas
perguntas apenas aumentam, e ele vive frustrado por isso. Mas a
paranoia dele é justificável.
Quem
era, mas quem era afinal essa mulher enigmática, essa mulher de
sombra? De onde provinha, onde existia?… Falava-lhe há um
ano, e era como se nunca lhe houvesse falado… coisa alguma sabia
dela — a ponto que às vezes chegava a duvidar da sua existência.
E então, numa ânsia, corria a casa do artista, a vê-la, a
certificar-me da sua realidade — a certificar-me de que nem tudo
era loucura: pelo menos ela existia.
(SÁ-CARNEIRO,
Mário. A Confissão de Lúcio, pag. 71)
O livro é curto, a linguagem simples e sem rodeios. É possível lê-lo em pouquíssimas horas, até porque é muito instigante. Não há muito mais o que comentar, senão estaria eu escrevendo demais. Devo ressaltar que é sempre bom deixar a mente aberta para absorver o que essa narração tem a oferecer.
O
beijo de Ricardo fora igual, exatamente igual,
tivera a mesma cor, a
mesma perturbação que os
beijos de minha amante. Eu sentira-o
da mesma maneira.
(SÁ-CARNEIRO,
Mário. A Confissão de Lúcio, pag. 93)
Escrito por MsBrown
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