— Bom, se quer saber a minha opinião, muitas
vezes o problema são os princípios — observou Miles. — Em geral, basta ter um
pouco de bom senso.
— É, é assim que as pessoas costumam chamar os
próprios preconceitos — retrucou a moça.
(ROWLING. Morte Súbita, pag. 231)
Morte Súbita (The Casual Vacancy), de J.K. Rowling, é um livro com atmosfera tensa do começo ao fim. Primeiro livro adulto da autora de Harry Potter, Morte Súbita trabalhou com assuntos sérios da sociedade, aqui representada pelo vilarejo Pagford, onde tudo acontece e o boca a boca é a especialidade de seus habitantes.
A história começa com a morte súbita de Barry Fairbrother, que sofre um aneurisma. Muitas pessoas choram por sua morte, pois Barry era um homem popular, envolvido na política e educação de Pagford. Mas há aquelas pessoas que, ao saberem dessa morte, querem apenas serem as primeiras a espalharem a notícia, como se o fato trágico fosse um trunfo pessoal que elas quisessem exibir a torto e a direito - quem detesse a informação era visto com inveja pelos curiosos. Quando a vaga que Barry Fairbrother ocupava no Conselho Distrital se
encontra vazia, um caso de vacância, o vilarejo se mostrará mais
ameaçado que nunca, e isso pelos próprios habitantes, que tem tanto a
esconder mas não conseguem.
O livro apresenta os Mollison, família que está em Pagford desde sempre. Howard, o mais velho, possui uma delicatessen e participa da vida política do vilarejo, sendo o presidente do Conselho Distrital. Shirley é sua mulher, que tem como maior orgulho o sucesso do marido e do filho, Miles, e não gosta Maureen, a velha sócia de Howard extremamente curiosa. Miles é advogado, casado com Samantha, e esta é uma mulher que adora ver o constrangimento das pessoas. Os Mollison veem uma oportunidade de Miles se candidatar à vaga no Conselho, mas a eleição iminente os deixará tensos.
A família Wall é um tanto problemática. Colin "Pombinho" Wall, vice-diretor da escola, um dos melhores amigos de Barry, tem problemas de TOC e mais um segredo, porém quer se candidatar ao Conselho para continuar com a luta que Barry representava. Tessa, sua esposa, é conselheira da escola e sofre com a relação que seu marido tem com seu filho, Stuart "Bola": o garoto está passando por uma fase de ridicularização dos pais, e Colin não o aguenta.
A família Price tem seus maus bocados. Simon Price é violento, sempre criando uma atmosfera tensa na sua casa. Andrew Price odeia seu pai, às vezes odeia a resignação da mãe, Ruth, e seu irmão mais novo, Paul, que sempre, sem querer, contribui para as explosões de temperamento de Simon. Simon vive recluso da sociedade e, de repente, quer se candidatar à vaga no Conselho, o que deixa Andrew apavorado e, em dado momento, não está satisfeito em apenas falar mal do pai com seu amigo Bola, e isso pode produzir outra crise na família.
Os Jawanda é uma família indiana constituída pelo doutor Vikram, a doutora Parminder (participante do Conselho e amiga de Barry), e três filhos, com destaque para a caçula, Sukhvinder, que sofre bullying na escola (por Bola) e em casa: os pais não conseguem acreditar que deles saiu uma garota deslocada, que é dislexa. A dra. Parminder não é muito apreciada na cidade e tem uma relação difícil com sua filha mais nova. Sukhvinder foi uma das personagens que mais gostei, querendo apenas ser compreendida e fazer parte de algo.
Morte Súbita, de J.K. Rowling, publicado em 2012 |
A família Bawden também tem dificuldades na relação mãe-e-filha. Kay é uma assistente social que mudou-se de Londres para Pagford por causa de seu namorado, Gavin (apesar de ele não gostar dela, mas ela não enxerga isso), assim criando a animosidade com sua filha, Gaia, que se torna amiga de Sukhvinder Jawanda e é desejada por Andrew Price.
Kay se torna uma peça importante na vida da família Weedon. Terri Weedon é drogada. Tem quatro filhos, dois foram tirados dela. Krystal é sua filha, que participava da turma de remo do sr. Barry Fairbrother e era a queridinha dele, e agora está envolvida com Bola. Robbie, de apenas três anos, tem uma infância pavorosa: assite à mãe fazendo de tudo para usar drogas, assiste às brigas rotineiras entre Terri e Krystal, tem medo de homens porque sabe o que eles fazem com sua mãe. A assistência social ameça Terri de tirar Robbie dela, o que a faz escolher sempre entre o filho ou a heroína. A cena em que Kay, como assistente social dos Weedon, aparece pela primeira vez em sua casa, foi o que me fez definitivamente continuar a ler a história. Eu não podia acreditar em tanta miséria e tristeza, e esperava que essa família tivesse um bom final. Robbie foi um dos personagens mais marcantes para mim, e quanto à Krystal, eu apenas ficava triste pela vida que levava.
Barry lutava para a integração de Fields (um bairro pobre de onde veio, e
onde Krystal morava) à Pagford. Howard Mollison era contrário a essa
decisão. Também havia a questão da Clínica de Reabilitação que ficava em
Fields, prédio pertencente à Pagford, que os anti-Fields tentavam
destruí-lo. Essas questões, a serem discutidas nas reuniões do Conselho,
acentuavam a atmosfera tensa entre os habitantes.
A família de Barry não é tão citada. O que foi bom, porque as poucas cenas em que Mary, a viúva, apareceu, eu antipatizei com ela. Em geral, as personagens não são boas ou más, apenas deslocadas, incompreendidas, cheias de ambições, numa vida que se torna miserável em Pagford. Disso tudo foi criado o "Fantasma de Barry Fairbrother", ou seja, alguém hackeou facilmente o site do Conselho Distrital e vinha publicando fatos constrangedores sobre algumas pessoas de Pagford, em nome de Barry. A paranoia de alguns personagens, a destruição de suas carreiras foram bem detalhadas e Rowling foi capaz de criar um livro denso, e como ela própria o descreveu: "uma grande história sobre uma cidade pequena".
O livro produziu uma sensação estranha quando terminei de lê-lo. Primeiro, pensei aliviada "Ah, é só uma história", mas quase imediatamente também pensei, perturbada, que tudo o que foi descrito ali poderia acontecer, e acontece, em qualquer lugar do mundo. A hipocrisia, a capacidade de alguém querer ser a primeira pessoa a comentar sobre a morte de alguém, como se isso fosse uma conversa habitual em que alguém tenta invejar as pessoas dizendo que tem isso ou aquilo, a raiva de quem não está mais vivo, a ambição que faz os criminosos, o sonho miserável, o descuido perante à vida... Morte Súbita é um livro pesado e realista.
As vítimas do Fantasma de Berry Fairbrother
estavam atoladas na lama da hipocrisia e das mentiras, e não gostavam de escândalos.
Eram insetos estúpidos que fugiam da luz brilhante. Não sabiam nada da vida
real.
(ROWLING. Morte Súbita, pag. 380)
Escrito por MsBrown
Estou lendo esse livro, embora um tanto empacado (ainda não saí da página 250, rs), mas sua resenha veio a calhar.
ResponderExcluirQuando comecei a ler, pensei que seria outra história fantástica sobre bruxaria, mas o livro se tornou completamente o oposto, e mito real.
Beijooos,
ser-escritora.blogspot.com.br/
Realmente, não há nenhum bruxo nesse livro. A J.K. criou uma cidadezinha muito real com todos os problemas, e os descreveu muito bem. Vale a pena ler.
ExcluirHi! Too bad I can't comprehend your language. At first I thought it's Spanish (I've just started learning it), but turns out it's Portuguese. It's very similar to Spanish, though. You seem to have a nice blog too! :D
ResponderExcluirThanks! I appreciate your try. :)
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