— Nenhum conto de fadas termina mal, senhorita
Hanson.
Se atualmente não está bem, é porque ainda não chegou ao fim.
(DRACCON. Círculos de Chuva, pag. 26)
Círculos de Chuva é o
terceiro volume da trilogia Dragões de Éter, de Raphael Draccon. De fato, é um ótimo
final, com uma narração impecável ao descrever a Primeira Guerra Mundial de
Nova Ether, as batalhas internas que os personagens lutaram, a queda de
preconceitos entre raças e o machismo.
Nesse terceiro livro ocorre a
violação do Pacto de Swift (“documento que estabelece um armistício entre os
Reinos Humanos e os Reinos Gigantes, baseado na não intervenção de nenhuma das
partes nas regiões delimitadas ao outro”, pag. 106). Um menino de 5 anos escala
uma árvore até Brobdingnag, o Reino dos Gigantes (flutuando a 6km do chão) e
todos pensam, inclusive seu pai, que a criança é o novo messias, o avatar de Merlim Ambrosius. O pai do possível “Merlim”
implora ajuda ao Rei Anísio Branford de Arzallum para recuperá-lo e isso
significa que, além do Pacto de Swift ter sido quebrado pelos gigantes que
mantém a criança em seu Reino, para resgatá-lo é necessário uma guerra. Entretanto,
o Reino Minotaurus é inimigo de Arzallum e aliado de Brobdingnag, e outros
Reinos mantém relações tensas entre si, todos esperando o estopim para a
Primeira Guerra Mundial que, nessas circunstâncias, parece inevitável. E então,
por uma criança, o mundo muda. Novamente.
Enquanto isso, Snail Galford e
Liriel Gabbiani permanecem parceiros, em Stallia, agora chegando a apreciar a astúcia um do outro. Snail se
tornou o pai de várias crianças-adolescentes
órfãos que, fazendo referência a Jorge Amado, são consideradas “capitães de
areia”. Novamente, Snail pretende libertar um homem da cadeia, e desta vez é
por um ato totalmente mesquinho. Neste livro, Snail se torna, de algum modo,
diferente do que já se apresentou nos outros dois livros — agora ele é mais cruel, se é que posso colocar assim, e
Liriel, por sua vez, não se importa muito, afinal, é ela que manterá a
humanidade do parceiro quando for o caso. Mas pode um homem que possui planos
grandiosos e que acredita que alguém sempre deve ser traído manter sua
humanidade?
— Porque uma coisa é ser uma marionete sem
perceber ou ter consciência dos fios. Outra coisa é deixar os fios ainda presos
quando alguém lhe oferece uma tesoura.
(DRACCON. Círculos de Chuva, pag. 230)
Em Arzallum, Maria Hanson está
dividida em novos interesses conhecidos como Giacomo Casanova e Don Juan de
Marco — e imaginem o que Ariane pensa disso —, após ser alertada que o conto de
fadas que viveu com Axel se acabou por razões maiores. Ela também tem que
contar algo a Ariane que, junto com o irmão, prometeu nunca contar a ninguém: a
situação a obriga e, então, somos informados sobre detalhes horríveis do
episódio da Casa dos Doces. Embora Maria sofra, seu irmão João Hanson passa por
provações maiores. Como atual escudeiro, ele é submetido à pior condição de
vida e em muitos momentos se sente humilhado, raivoso, mas tem a consciência de
um compromisso com as pessoas que mais ama: manter-se humano, não importando o
quanto sofra ainda. São vários testes que, será que os Hanson superarão?
Ariane Narin continua a receber
ajuda de sua mãe e de Madame Viotti sobre os assuntos da magia branca. Ariane
tem visões que a assustam mas que são necessárias para mudar o que o está
ocorrendo em seu mundo. Só que a garota é tão agitada que pode acabar cometendo
alguns erros…
Axel Branford tem uma missão. Um casamento. Na Terra do Nunca. Além de
passar a conhecer uma cultura toda diferente da sua, Axel tem que se casar com
uma princesa-elfa e convencer o Elfo-Rei a lutar pelo que havia desistido há
muito tempo. Axel manterá seu pensamento na garota que deixou em Arzallum ou
conseguirá se abrir para uma nova cultura em que relacionamentos não são como
os dos humanos?
Enfim, a Primeira Guerra Mundial acontece.
E Draccon a narra muito bem. A guerra
envolve magia, apreciação de uma luta que, em vários momentos, parecia perdida
para um dos exércitos… Mas, em Nova Ether, nada é impossível. Realizar uma
guerra por causa de uma criança não é impossível. Utilizar de magia para
derrotar o inimigo, despertar o amor que torna alguém capaz de voar, visões da Morte e acordos com
bruxas são possíveis. Nova Ether é um mundo que existe porque, além de
alguém ter escrito seus caminhos e as linhas mais improváveis, há outras
pessoas capazes de lê-las e viver junto com os personagens, permitindo que a
magia seja liberada e que o Bem vença o Mal.
O narrador é atencioso. Digo isso porque parece que ele realmente fala conosco. E sabe o que estamos pensando, em determinados momentos.
E é aqui que voltamos. Voltamos sem interferir demais.
Sem sussurrar demais. Voltamos como seres superiores, mas que, ao mesmo tempo,
por admirá-los tanto, gostaríamos de viver ao lado deles um pouco.
Não importa, o fato é que nós os amamos. E eles
nos amam de volta.
E é por ter consciência dessa relação de
veneração, que você deixará esse local comigo em três momentos. Em um. Em dois.
Em três.
(DRACCON. Círculos de Chuva, pag. 137-138)
Há um trecho que advinhou tudo o que eu estava fazendo quando li: rindo. Rindo das desgraças do João, mas apenas naquele determinado momento:
João Hanson abriu os braços e olhou para os
céus, irritado, perguntando-se de forma sincera se, em algum maldito lugar,
semideuses deveriam estar rindo de suas desgraças.
(DRACCON. Círculos de Chuva, pag. 201)
Embora alguns pontos da narrativa ficaram soltos (e não posso comentá-los sem revelar spoiler), há muito espaço para nossa imaginação. Como se, ao deixar de dizer uma coisa e outra, Draccon na verdade quisesse que pensássemos nessas conclusões por nós mesmos. Numa entrevista ao Omelete (veja aqui.), Raphael Draccon diz que, num certo ponto, a história deixa de ser dos escritores e passa a ser dos leitores. Bem, tá explicado, não é mesmo?
A trilogia (será que mais livros serão lançados?) possui muitas referências. Eu consegui captar algumas e deve ser por isso que gostei tanto. Como desde sempre estou envolvida com livros, adorei ao perceber que Peter Pan, James Gancho, João e Maria, Chapéuzinho Vermelho, Robin Hood, Capitães da Areia, Branca de Neve, A Bela Adormecida, A Bela e a Fera, Cinderela, Rumpelstichen e outros tomaram outras vidas, foram inseridos num mundo que ainda não conhecíamos mas que é fantástico a ponto de esquecermos as histórias originais para gostar mais dos apresentados aqui. Há outras referências, principalmente a bandas como Nirvana e Limp Bizkit e a série Final Fantasy. Todos os livros são divididos em três partes e possuem, em sua maioria, capítulos curtos que fazem a tensão aumentar.
Deixo aqui minhas recomendações a todas as pessoas que um dia já teve o prazer de ler um conto de fadas, ou assistir um filme relacionado a isso: leiam Dragões de Éter. Para saborear um pouco da história, também vale a pena assistir ao vídeo da empresa Duque de Cartoon, sobre uma das passagens mais incríveis do livro Círculos de Chuva:
Raphael Draccon
Existiam; existiam momentos em que valia a pena
estar vivo apenas para imaginar.
(DRACCON. Círculos de Chuva, pag. 194)
Escrito por MsBrown
|
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
P:MsBrown
Círculos de Chuva, de Raphael Draccon
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