TIÃO – Ninguém vale nada, pai!
OTÁVIO – Como você tem medo!
TIÃO (irritado) –
Mas medo de que, bolas!
OTÁVIO (imperturbável)
– De ser pobre… da vida da gente!
TIÃO (com um gesto de
quem afasta os pensamentos) – Ah! Tou é nervoso… tou apaixonado, pai… Não liga,
não!
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles Não Usam Black-tie, p. 42)
Eles Não Usam Black-tie é uma peça de teatro brasileira escrita em 1955 por Gianfrancesco Guarnieri. De acordo com Delmiro Gonçalves, a peça "foi uma das mais sérias e melhores tentativas de uma dramaturgia urbana brasileira". É uma história despretensiosa sobre a vida de alguns exemplares da classe de operários de uma favela carioca nos anos 1950.
Em tempos de ocorrer uma greve dos metalúrgicos, com o total apoio de Otávio, Tião, seu filho, descobre que vai ser pai do bebê de Maria. Assim, o jovem de aproximadamente 20 anos quer estabilidade financeira para sustentar sua pequena família e poder sair do morro. Tião foi criado pelos padrinhos, na cidade, e servia como babá para os filhos deles. Nunca se adaptou a vida no morro, sendo operário, tendo que fazer greve para que o salário aumente em mixarias. Tião observa a vida corrida e pesada de Romana, sua mãe, sempre tendo que cuidar do barraco, de lavar roupas para outras pessoas e cuidar de seu marido e dois filhos, e não quer que o mesmo aconteça a Maria.
TIÃO – (…) Nesse mundo o negócio é dinheiro, meu velho.
Sem
dinheiro, até o amor acaba! Pois eu vou sê feliz, vou tê amo,
e vou tê
dinheiro, nem que pra isso eu tenha de puxá saco de meio mundo!
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles Não Usam Black-tie, p. 68)
Tião trabalha na mesma fábrica que seu pai, e com a greve, se aderir, há a possibilidade de ganhar aumento ou ser despedido. Se não aderir a greve, será visto como pelego e traidor, porém poderá se manter estável na fábrica. Em poucas páginas, cerca de 100, as dúvidas e medos de Tião se apercebem pelas falas e maneiras, muitas vezes sob palavras de confiança, escondidas e abafadas no meio de outras personagens que a ideologia de correr atrás dos direitos é o motor da vida.
Sempre quis ler Eles Não Usam Black-tie. Lembro que o encontrei na biblioteca da escola de Ensino Médio que frequentei porém nunca fui tentada o bastante para pegá-lo emprestado. Agora adquiri um exemplar e consegui ler e me emocionar com as personagens, com seus medos, ideologias, sentimentos, e principalmente no final, que achei que acabou como deveria, ficou aquela sensação estranha de muita luta emocional e pouca conquista, bem semelhante à realidade. A peça é para ser popular, foi escrita como fala o povo, e é sobre as lutas do povo. É sobre as pessoas que não usam black-tie, mas que acordam tão cedo para trabalhar e ter um tempinho à noite para ser feliz, ao som de um samba tocado por Juvêncio, um manco, numa noite chuvosa...
Eles Não Usam Black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri |
Nosso amor é mais gostoso,
Nossa saudade dura mais
Nosso abraço mais apertado
Nós não usa as "bleque-tais".
Minhas juras são mais juras
Meus carinhos mais carinhoso
Tuas mão são mãos mais puras,
Teu jeito é mais jeitoso...
Nós se gosta muito mais,
Nós não usa as "bleque-tais"...
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles Não Usam Black-tie, p. 24)
A peça possui 3 atos e 6 quadros, e é ambientada no barraco de Romana. Foi representada pela primeira vez em 1958, no Teatro de Arena de S. Paulo, com direção de José Renato e performada por Miriam Mehler como Maria, Gianfrancesco Guarnieri como Tião, Lélia Abramo como Romana e Eugênio Kusnet como Otávio. Em 1981, foi lançado o filme com mesmo nome dirigido por Leon Hirsziman, e estrelado por Gianfrancesco Guarnieri como Otávio, Fernanda Montenegro como Romana, Carlos Alberto Riccelli como Tião e Bete Mendes como Maria, com música tema de Adoniram Barbosa, Chico Buarque de Hollanda e Gianfrancesco Guarnieri. Leon Hirsziman recebeu o prêmio FIPRESCI e o Grande Prêmio Especial do Juri no Festival de Veneza, o prêmio Grand Coral no Festival de Havana, Guarnieri recebeu o troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) por Melhor Ator, e ganhou o Margarida de Prata. O filme recebeu atenção especial de John D. French, um professor do Departamento de História da Duke University, que pesquisou a representação social do filme e a verossimilhança com a classe operária brasileira dos anos 50 e 70, clique aqui.
Guarnieri identifica sua obra como "uma visão romântica do mundo. Pressupõe uma série de valores básicos, imutáveis, através dos quais os problemas surgem, estourando os conflitos, os homens se debatem, mas tudo chegará a bom termo graças a uma providencial ordem natural das coisas, atingindo-se no tempo a harmonia geral esperada, em virtude de uma tomada de 'consciência'. Black-tie, no fundo, é uma peça idealista" que "reflete corretamente muitos aspectos da realidade brasileira".
Penso que o sucesso da obra se dá por sua sinceridade, por sua representação sócio-política brasileira, pela escrita coloquial e por todo o sentimentalismo que as falas de Maria e Tião se inundam, contrapostas pelas falas de vivência dura de Romana e ideologias políticas de Otávio. É uma história atemporal.
ROMANA – É a verdade, e da verdade ninguém escapa, meu nego.
E depois, cadeia foi feita pra ladrão, caixão pra defunto.
Pra que ficá
enganando os outros. É o fim mesmo. É ou não é minha filha?
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles Não Usam Black-tie, p. 36)
Escrito por MsBrown
Olá!
ResponderExcluirQue obra interessante... e com a essência de valores da nossa literatura. Muito bacana.
Sinceramente, não o conhecia... gosto muito daqui por conta desse diferencial; dessa bagagem cultura que deve ser disseminada e cultivada na contemporaneidade. Adorei!
Abraços.
http://universoliterario.blogspot.com/